quinta-feira, 7 de maio de 2009

EDUCAÇÃO E POLITICIDADE NA VENEZUELA: UM EXEMPLO PARA A AMÉRICA LATINA

EDUCAÇÃO E POLITICIDADE NA VENEZUELA: UM EXEMPLO PARA A AMÉRICA LATINA*

Gutemberg Miranda

Ao dialogar sobre o Humanismo e Revolução a partir das obras de Paulo Freire e Marx, com estudantes, professores e movimentos sociais na cidade de Maracaibo, não imaginava que estaria vivenciando um processo tão intenção de humanização, educando-me tão profundamente num contexto mediatizado por experiências concretas de transformações sociais, políticas e culturais, como as que estão ocorrendo na Venezuela atualmente, em que o povo vem protagonizando e tornando-se sujeito de sua própria história. Conforme sempre insistira Paulo Freire, “a raiz mais profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, ou seja, não há vida sem educação e por conta disso a neutralidade da educação não passa de uma mentira, de uma ideologia e pedagogia bancárias”. Do mesmo modo, Marx antes de criticar os filósofos que só interpretavam o mundo e não se comprometiam com a transformação da realidade, afirmara que o educador precisa ser educado e que “a transformação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária”.

É bastante diferente falar em revolução diante de um processo revolucionário a sua frente. Conviver com a politicidade do dia-a-dia das pessoas, dos estudantes e professores foi muito marcante para mim. Testemunhar famílias discutindo política intensamente, observar que tamanha polarização se aguça ainda mais nas esferas macrosociais, como na mídia e nas esferas públicas em geral, representou uma importante experiência, através da qual, minha leitura do mundo passou a redimencionar aquelas leituras que antes só conhecia através de debates acadêmicos ou da leitura dos livros.

No dia 22 de abril tive a oportunidade de dialogar com a comunidade acadêmica da Universidade de Zulia, foram três horas de debates intensos sobre a problemática do humanismo e da revolução na obra de Paulo Freire. Entusiasmei-me com o interesse dos estudantes e com o acolhimento dos professores do Departamento de Filosofia Latino-Americana, que promoveram o evento e nutrem profundo respeito pelo pensamento de Paulo Freire. Aos Professores da Escola de Filosofia, Lino Morán, Joan Mendez e René Arias, quero expressar meus profundos agradecimentos e compromisso em contribuirmos para a integração latino-america através da filosofia da libertação.

Em 23 de abril ocorreu o Fórum Humanismo e Emancipação na Obra de Paulo Freire, organizado pela FUNDACITE Zulia (Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e de Tecnonologia Universidade de Zulia), órgão do Ministério do Poder Popular para a Ciência e Tecnologia. Este evento contou a presença de docentes da rede pública, conselhos comunitários e investigadores científicos. Participei do ciclo de conferências cuja mesa composta pelos professores Lino Moran e Joan Méndez e pelas autoridades da FUNDACITE, Dr. Nelson Márquez e Dra. Bienvenida Romero. Foi um dia muito especial, que reuniu cerca de 300 participantes e tivemos a oportunidade de dialogar através de oficinas de discussão, verdadeiros círculos culturais no dizer de Paulo Freire e que os Venezuelanos chamam de taller. O compromisso com o pensamento de Paulo Freire estava muito presente na forma com que tal evento foi organizado e no testemunho e relato de experiências dos participantes, dos professores, autoridades e militantes dos movimentos sociais venezuelanos.

Tive a oportunidade de apresentar uma conferência sobre A Utopia do Sujeito no Pensamento de Marx, e de perceber a importância que o marxismo vem assumido por parte dos professores do departamento de Filosofia Latino Americana da Universidade de Zulia. Através das revistas editadas pelo Centro de Estudos Filosóficos do Centro de Humanidades e Educação da Universidade de Zulia e da Revista Internacional de Filosofia IBeroamericana e teroria Social: Utopia e Práxis Latinoamericana, pude entusiasmar-me com a possibilidade de discutirmos temas muito próximos da pesquisa que venho desenvolvendo e com os problemas atualmente discutidos pelos professores da Universidade de Zulia e na construção de um projeto de revolucionário para a filosofia latinoamericana.

Emocionei-me bastante ao conhecer as Aldeias Universitárias, assistir com meus próprios olhos tentativas de descolonização vivenciadas na práxis concretas de homens e mulheres empenhados em transformar a história. Como são belas as escolas e universidades cuja autonomia parte da comunidade, dos seres sociais, indígenas, jovens, lideranças comunitárias. A crítica freireana à extenção universitaria vem sendo levada bastante a sério pelo governo venezuelano. O saber se constrói na base, na realidade local das pessoas e não pode ser algo trazido de fora, não pode se confundir com a invasão cultural. As Aldeias Universitárias, a abolição do analfabetismo na Venezuela, as Escolas de Quadros Políticos e as Escolas Bolivarianas, constituem compromissos autenticamente revolucionários, em sintonia com os ideais de Paulo Freire e Karl Marx.

Saber que tudo isso é cantado por músicos venezuelanos da atualidade, recitado por poetas populares e vanguardas culturais, e que grande parte da sociedade está empenhada em compreender a historicidade da nação e construir o socialismo, representa um grande ensinamento para toda a América Latina. A criticidade do povo venezuelano é visivelmente constatável nas ruas, na arte e na atual conjuntura política, que atualmente vem confirmando e legitimado a proposta de Hugo Chaves.

Recife e Maracaibo se parecem bastante; antropologicamente: nossas origens mestiças; nossa geografia: clima e vegetação; compartilhamos também daquela poética mineral que só o Capibaribe e o Lago de Maracaibo (o maior do mundo) podem propiciar. Por tudo isso, devo parafrasear Neruda ao sintetizar minha experiência na Venezuelana: “Confesso que Vivi”.


* Texto inspirado na viagem de Gutemberg Miranda à Vanezuela

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